sexta-feira, 11 de junho de 2010

Tempo, tempo, tempo

Foi-se o tempo em que o tempo era um problema. Se antigamente as pessoas reclamavam de sua falta, hoje isto já é praticamente retórico. Tudo se adapta com o tempo. E o tempo se adapta a nós. Ele não corre diferente, não se apressa ou diminui sua velocidade por isso, mas a verdade é que está brutalmente dominado.

Todos os dias ao acordar pensamos no que temos que fazer hoje, amanhã e depois de amanhã. Trabalho, estudo, diversão tornam-se apenas marcas em uma agenda. Pensamos nisso antes mesmo de dormir. O tempo não altera sua velocidade, mas mesmo assim foi domado. É controlado, dosado e gasto na medida de nossas necessidades. Desta forma conseguimos nos sentir responsáveis pelas nossas vidas, e até o momento de paixão acaba reduzido a uma mera formalidade, curta e vazia.

Nossa concepção de tempo como instrumento de sucesso acabou mecanizando nossas funções. E como robôs nos saímos muito bem. Aprendemos a dividir nosso tempo numa proporção de dez para um, na qual o lazer tem papel figurante. Afinal é o trabalho que nos torna cidadãos respeitados, que cumprem seu dever. E assim fugimos de um dos papéis mais marginalizados da sociedade, assim ninguém nos chama de vagabundos. Desta forma somos coerentes com nossa falta de ser.

A questão é: todo esse controle realmente nos faz bem? Somos tão felizes quanto pensamos ser? Sinceramente, acho que não. De certa forma tem sorte aquele que não tem tempo para perceber isso. E de forma alguma proponho saída, já que esta é pessoal e intransferível, como os cartões de crédito. Mas, ainda me pisca uma fagulha de esperança.

Eventualmente há de se perceber que o ser humano merece mais que essa maçante rotina – nascer, crescer e morrer. Talvez venha um dia em que alguém dedique seu tempo a sanar a nossa falta de tempo. Sei que é pedir muito, mas insano mesmo é aceitar sem ao menos questionar, que a vida é só isso mesmo.

Hoje depois do trabalho, ou amanhã, no meu intervalo, vou redigir um protesto único e singelo, para quem eu não sei, talvez seja para mim mesmo. Quem sabe dentre todas as minhas obrigações eu não volte ler tal protesto um dia. Quem sabe quando lê-lo, eu não lembre de uma época em que me pegava imaginando o meu futuro. Não o meu trabalho, saúde ou a economia mundial, mas o meu futuro. Aquele mesmo, no qual eu me via jogando um frisbee para um cachorro, no parque com a família. Clichê, não? Pelo menos neste sonho eu não uso um relógio.

A data é só mais um detalhe


Dois amigos conversam em um bar:


-Sei não, muita teoria da conspiração pra mim...

-Pensa bem, é apenas mais uma data criada por comerciantes, é puro lucro cara!

-Que seja, mas ainda assim tem um significado. Você fala assim porque é um puta dum sozinho.

-Sozinho porque quero, esse negócio de namoro não é comigo.

-Sei, sei...E aquela menina do seu prédio...aquela que você vive falando?

-Aquela esquisita? Nem fala cara...depois dessa eu vou até embora...

-Que isso, vamos de saidera...mais uma ai vai?

-To fora, agente se vê por ai...


Porra, aquele filho da puta sempre me deixa assim, sempre sabe o que falar. Maldito dia dos namorados, que sempre me deixa nervoso. Cade minha chave, não é possível que eu perdi de novo... agora, pra fechar a noite, só falta aquela menina estar lá, de novo, na porta do apartamento dela como que me esperando, ela sempre faz isso, eu odeio isso. Que que ela quer comigo afinal? Sempre me dando esse olhar...juro que não entendo. Sempre sozinha e ouvindo musica ruim. Não entendo, ela até que é bonitinha. Ela e aquele maldito rosto indecifrável. Aposto que agora está lá na varanda. Esperando alguma coisa. Olhando o céu.


E ele realmente foi à varanda, e lá estava ela, parada, fumando um cigarro. Pela primeira vez resolveu encará-la. Cinco minutos depois ainda estava lá, tentando entender aquela coisa que ela tinha no olhar. Mas o que entendeu mesmo era que o mais importante era esse mistério, esse não entendimento, essa atração estranha que se sente do nada por alguém que se vê todo dia. E lá estavam eles, a meros três metros um do outro, cada um em sua varanda. Sem boca nem pele, só o olhar valia.


Não sabia ainda, mas já estava namorando.